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sexta-feira, março 30, 2012

Nada pessoal ...

Já tentou conversar sobre assuntos mais pessoais com seu colega de trabalho ?  Sua amiga ? Seu namorado, namorada, marido, mulher ? Com a secretária do consultório médico ou o porteiro do prédio ?
Não me refiro a discutir um problema ou contar uma história divertida.
A idéia é falar sobre emoções, percepções, crenças, tabus, opiniões verdadeiras sobre assuntos delicados.  Coisas que nos expõe além das convenções ou de nossa "persona" social.
Faço isso com alguma frequência há anos e percebo que está cada vez mais difícil.
Ainda não chegamos no nível de impessoalidade exigido pela legislação norte americana, mas já alcançamos a superfície das relações.
Esta se tornando um prazer raro encontrar alguém disposto a falar sobre seus desejos inconfessáveis e pensamentos sórdidos. Ou questionar a existência de Deus e compartilhar suas experiências transcedentais.  Até mesmo uma conversa mais simples sobre o sentido da vida ou a natureza construtiva do egoísmo gera desconfortos incontornáveis.
Podemos confessar nossa raiva e nossa paixão.  Mas negamos o ódio e nos envergonhamos do amor.
Falamos do trabalho, da familia, dos acontecimentos, das relações, da política e do mundo, com um singular cuidado estético e convicções de prateleira.
Compartilhamos e repercutimos.  Distribuimos "likes" e comentários cosméticos no facebook.
As vezes olho para o interlocutor e me vem a imagem de uma geladeira repleta de "imãs", com recordações de viagem, frases de efeito, telefone da seguradora e mini-cardápio da pizzaria.
Estamos perdendo contato com aquele sentimento gostoso de fraternidade, aquela sensação de que viemos e vamos para o mesmo lugar, que o deus que nos habita (ou a energia que nos anima) é o mesmo.
Escolhemos a solidão, trancafiados em corpos que nem sentimos como nossos, porque engordam, adoecem e tem desejos e necessidades com os quais não concordamos.
Confesso que essa é uma descrição um tanto dramática e pessimista.
Mas não é depressiva.
Na verdade, o que me motiva a faze-la é ter (ainda) o prazer de vivenciar encontros diferenciados.
Um em cem, ou talvez um em mil.
Mas que me permitem sentir que não estou só no mergulho.
Adoro o relaxante prazer de uma conversa superficial ... por uns 30 minutos.  Um pouco mais, talvez, se as piadas forem boas.
Passado esse tempo, quando me dou conta já estou convidando o outro a sair de sua zona de conforto.
A conversa acaba, ou fica mais interessante.

6 comentários:

Carla P.S. disse...

Isso tinha que ser básico né, Flavitcho.

Anônimo disse...

Flávio

E várias pessoas (thank goodness) estão sentindo isso que descreves tão bem aqui.

E mais, quem consegue sair do cosmético, do superficial sem qquer sentido, é tachado de louco, pobre coitado, ...

Qdo digo que as pessoas estão perdidas, é isto que quero dizer. Tão triste, and yet, tão bom qdo encontramos com quem conversar de verdade!

bjs
Anne

PS. Parabéns pelo texto.

A. Marcos disse...

Flávio

PQP...é isso aí.

Eu sinto a mesma coisa e faço minhas as suas palavras.

Ainda bem que não estou só e mais gente, assim como vc, tem a mesma percepção que eu.

Amélia disse...

Por isso que adoro conversar com você! Beijos

Cristiane disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Solange Maia disse...

ah, Flávio.......

feliz por não me sentir "sozinha" nesse desejo permanente pelo outro, seja como for, mas se der prá ir um pouquinho além da superfície, agradeço !!!

beijo prá você