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quarta-feira, dezembro 07, 2011

Um pé na cozinha

Essa expressão ("um pé na cozinha"), tão popular quanto preconceituosa, tem origem no Brasil colonial, época em que as escravas negras habitavam as cozinhas das fazendas dos produtores de cana e café.
É, na verdade, duplamente preconceituosa, porque também sugere, implicitamente, que cozinhar é uma tarefa de menor valor.
Ou triplamente, se considerarmos que no ambiente empresarial as linhas de produção e áreas de operações também recebem a alcunha de "cozinha" e seus profissionais são menos valorizados do que os que estão na "linha de frente". 
Minha tataravó cafuza (índio+negro), conta a parlenda familiar, era dona de pensão e mãe solteira.
Meu bisavô português era "banqueteiro", e servia as festanças dos barões do café na Av. Paulista.  Não fosse ele viciado em jogo, teria eu heradado, talvez, um império gastronômico.
Os ancestrais poloneses, dizem, eram nobres ou judeus.  Fato é que vieram para o Brasil fugindo de alguma perseguição na Polônia e chegaram aqui com uma mão na frente e outra atrás.  Pobres, mas eruditos.  O avô pololnês operário, que não conheci mas de quem herdei o nome, lia muito e escrevia poemas.
Diferentemente dos italianos, os Ferrari, que eram pouco instruídos mas engenhosos.  Enquanto o avô polonês escrevia poesias, o italiano (que também era operário) construia miniaturas de locomotivas a vapor no porão de sua casa.
Resumindo, para decepção dos que valorizam o "pedigree" eu tenho, geneticamente, pés e mãos na cozinha.
Não é algo para se ter orgulho ou vergonha.  Como toda herança, não tem mérito próprio.
Mas confesso que tem lá seus benefícios.
A carga genética me permite ser eclético e a história familiar deixa pouco espaço para preconceitos.
Mas voltando ao título da postagem, creio que essa expressão tende a perder seu sentido pejorativo.
Cozinhar está ficando mais chique.  Os novos apartamentos de alto padrão tem até "terraço gourmet".
E bons profissionais de produção e operação estão ganhando importância no mercado de trabalho.  Já não é incomum que cheguem a presidir as empresas, justamente por sua capacidade de realização.
Tenho a impressão de que, em breve,  "realizar com elegância" será mais valorizado do que "aparentar elegância" e ter "um pé na cozinha" será uma forma discreta de elogio.
Bem ... "pé", excetuando-se o fetiche, pode ser um tanto grosseiro.  Talvez a expressão mude para "ter uma mão na cozinha".
Just in case, meu diploma de cozinha siciliana já está na parede....

17 comentários:

e daí? disse...

a dolmã lhe cai muito bem, vc parece bastante confortavel...

Nanda Assis disse...

depois desse sorriso, nem consegui ler o texto. sinto muito!!

bjos...

Anônimo disse...

Adoro uma cozinha! Deve sempre ser um espaço de reunir amigos em um ambiente de criação.

adoro festas disse...

Flavinho, o seu blog está cada vez melhor...E este assunto sobre "pé na cozinha" me remete automaticamente a festas. O premio de um bom chef nada mais é do que a aprovação de seus convidados não é? E quando temos convidados felizes e comida boa, tudo isto já virou um ótimo motivo para festa. heheheh
Parabéns pelo blog. beijos

Ana Andreolli disse...

aaaaaaaaah q delicia isso! *-* meu sonho é saber cozinhar..

Carla P.S. disse...

Eu admiro muitissimo quem sabe cozinhar, bem como admiro quem se especializa em nefrologia ou cardiologia...! São coisas bonitas, ciências distantes de mim (devido ao mal jeito e pouca dedicação), mas para serem muito admiradas! Parabéns.
Um café. ;)

Luna Sanchez disse...

Sou suspeita pra falar porque não curto pés, nem os meus nem os de ninguém.

De mãos eu gosto MUUUUUUITOOOOOO, mas pra valorizar ainda mais a expressão, poderia ser "ter os dedos na cozinha", traçando um paralelo entre o gesto de colocar uma pitada de tempero na comida (que se pega com as pontas dos dedos...Tu me entendeu, acho) e a maestria em desenvolver qualquer atividade, de forma que se faça sem esforço, usando só os dedos, metaforicamente falando.

Será que essa ideia evolui?

(Fiquei com fome...)

Beijokisses.

Flavio Ferrari disse...

Andrea: tks, inclusive por ilustrar-me quanto ao nome do traje ...

Flavio Ferrari disse...

Nanda: um pão de queijo procê.

Flavio Ferrari disse...

Anne: lamentavelmente a minha é muito pequena ... quando comprei o ap ainda não sabia que gostava de cozinhar ;)

Flavio Ferrari disse...

Miriam: de festa você entende. Eu confesso que cozinho porque gosto, mas se os outros gostarem também é bem melhor ... rs

Flavio Ferrari disse...

Ana: qualquer dia eu publico um manual de cozinha simples e rápida ... se eu posso, você pode !

Flavio Ferrari disse...

Carla: psiquiatria também tem lá o seu charme ... rs

Flavio Ferrari disse...

Luna: mil e uma utilidades para a ponta dos dedos ...

A. Marcos disse...

Confesso que ainda não consegui ver onde está o preconceito...

Luna Sanchez disse...

Ô!

"Relevo" é quase tudo nessa vida.

disse...

Boa a ressalva do fetiche! Graças a ela, achei perfeito!
Cozinhar é pura alquimia... E eu tb adoooooro!
Uma delícia de post!
Bj!