Páginas

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti



Notícias como essa andam cada vez mais comuns.  Filhos culpam seus pais por suas mazelas (não pediram para nascer), pais "desistem" de seus filhos (não sabem o que fazer) e a vida em família se transforma em uma tragédia shakespeariana. 
Numa visão evolucionista, o amor dos filhos pelos pais não é relevante para a perpetuação da espécie.  Já o amor incondicional dos pais pelos filhos resulta na proteção da prole reprodutiva e tem maior probabilidade de se perpetuar.
Os gregos, conhecidos por representar as paixões humanas na mitologia e no teatro, tratam dos filicídios e parrícidios em muitas de suas histórias, a começar por Chronos, que castrou seu pai (Ouranos) e devorou seus filhos para que não fizessem o mesmo com ele.
A tensão e as paixões entre pais e filhos também são exploradas nas peças de Sófocles (Édipo e Electra), que ilustram o trabalho de grandes psicanalistas modernos (Freud, Jung) sobre o tema.
Criar filhos não é uma tarefa trivial.  E embora seja, possivelmente, a mais importante de nossas vidas, não nos preparamos minimamente para ela.
O resultado era menos ruim quando as familias eram grandes, as crianças viviam em bandos e com liberdade, o pai era uma figura relativamente ausente e a criação era coletiva (mãe, tias, avós e irmãos participavam de um processo quase anárquico).  As regras eram poucas, mas claras e indiscutíveis.  Seu descumprimento era penalizado por castigo físico imediato.
Piorou quando o núcleo familiar foi reduzido aos pais e um par de filhos, trancados em pequenas habitações, e tutorados pela mídia (em especial a televisão).
E o colapso acontece num cenário onde os papeis dos pais se confundem, a mãe também se ausenta, os casais se separam, as regras não são claras e, portanto, sempre discutíveis, filhos são, desde cedo, iniciados na doutrina do "sucesso" (na visão dos pais) e o mundo se apresenta, em todas as plataformas, como um lugar hediondo (o inferno de Dante).
Perdido o sentido da vida, os pais se afogam no trabalho e no lazer obrigatório e os filhos a tudo assistem com desprezo e rancor.
Já estou ouvindo minha amiga evangélica, indignada com a descrição que acabo de fazer, dizendo que isso só acontece quando não se tem Deus no coração.  A solução é aceitar Jesus.
E, de certo modo, ela tem razão.  Mora com todo o conforto numa casa modesta e a seu gosto, tem duas filhas pequenas, lindas e bem educadas e um marido, também evangélico, que a acompanha semanalmente nos cultos da igreja.  O Pastor ajuda o casal a interpretar "a palavra" quando alguma crise surge no horizonte, e a familia é feliz.  Aparentemente, ninguém pensa em matar ninguém por alí.
Mas essa não é uma solução ao alcance de todos e (sem entrar no mérito de questões religiosas) tampouco necessariamente a única "verdade".
Nem todos os ateus ou agnósticos vivem no inferno. 
Mas sem um sentido definido para a vida, sem uma visão estruturada, positiva e compartilhável de mundo, e num contexto neurótico de pouco ou nenhum suporte da familia "extendida" (tios, avós, primos),  ter filhos pode ser considerado um ato egoista e irresponsável.  É, no mínimo, temerário.
Filhos dão um sentido para nossa existência.  Mas quem dará um sentido para a existência deles ?
A humanidade vem discutindo muitos temas nobres e se preocupando em salvar o planeta.
Creio que deveríamos incluir a procriação nessa pauta.

 

4 comentários:

e daí? disse...

seu texto é incrivelmene lucido, coisa rara, gosto muito! bj

Beatriz Carvalho disse...

Sempre terminando seus textos com uma cerejinha em cima do bolo...10!

Ju ♥ disse...

minha avó dizia q seria o fim dos tempos quando os filhos começassem a matar os pais... será q chegou?
pq é como vc disse, está cada vez mais comum esse tipo de crime, e de pais para filhos tmb. isso me assusta muito.

não sei, mas não passa pela minha cabeça perder meus pais nem de forma natural, já q ambos são idosos, muito menos de outro jeito. os valores mudaram e isso é uma pena.

Ana Andreolli disse...

bem que vc avisou, pra ler depois do carnaval. adoro sua maneira de enumerar os fatos, acho tão coerente.