Notícias como essa andam cada vez mais comuns. Filhos culpam seus pais por suas mazelas (não pediram para nascer), pais "desistem" de seus filhos (não sabem o que fazer) e a vida em família se transforma em uma tragédia shakespeariana.
Numa visão evolucionista, o amor dos filhos pelos pais não é relevante para a perpetuação da espécie. Já o amor incondicional dos pais pelos filhos resulta na proteção da prole reprodutiva e tem maior probabilidade de se perpetuar.
Os gregos, conhecidos por representar as paixões humanas na mitologia e no teatro, tratam dos filicídios e parrícidios em muitas de suas histórias, a começar por Chronos, que castrou seu pai (Ouranos) e devorou seus filhos para que não fizessem o mesmo com ele.
A tensão e as paixões entre pais e filhos também são exploradas nas peças de Sófocles (Édipo e Electra), que ilustram o trabalho de grandes psicanalistas modernos (Freud, Jung) sobre o tema.
Criar filhos não é uma tarefa trivial. E embora seja, possivelmente, a mais importante de nossas vidas, não nos preparamos minimamente para ela.
O resultado era menos ruim quando as familias eram grandes, as crianças viviam em bandos e com liberdade, o pai era uma figura relativamente ausente e a criação era coletiva (mãe, tias, avós e irmãos participavam de um processo quase anárquico). As regras eram poucas, mas claras e indiscutíveis. Seu descumprimento era penalizado por castigo físico imediato.
Piorou quando o núcleo familiar foi reduzido aos pais e um par de filhos, trancados em pequenas habitações, e tutorados pela mídia (em especial a televisão).
E o colapso acontece num cenário onde os papeis dos pais se confundem, a mãe também se ausenta, os casais se separam, as regras não são claras e, portanto, sempre discutíveis, filhos são, desde cedo, iniciados na doutrina do "sucesso" (na visão dos pais) e o mundo se apresenta, em todas as plataformas, como um lugar hediondo (o inferno de Dante).
Perdido o sentido da vida, os pais se afogam no trabalho e no lazer obrigatório e os filhos a tudo assistem com desprezo e rancor.
Já estou ouvindo minha amiga evangélica, indignada com a descrição que acabo de fazer, dizendo que isso só acontece quando não se tem Deus no coração. A solução é aceitar Jesus.
E, de certo modo, ela tem razão. Mora com todo o conforto numa casa modesta e a seu gosto, tem duas filhas pequenas, lindas e bem educadas e um marido, também evangélico, que a acompanha semanalmente nos cultos da igreja. O Pastor ajuda o casal a interpretar "a palavra" quando alguma crise surge no horizonte, e a familia é feliz. Aparentemente, ninguém pensa em matar ninguém por alí.
Mas essa não é uma solução ao alcance de todos e (sem entrar no mérito de questões religiosas) tampouco necessariamente a única "verdade".
Nem todos os ateus ou agnósticos vivem no inferno.
Mas sem um sentido definido para a vida, sem uma visão estruturada, positiva e compartilhável de mundo, e num contexto neurótico de pouco ou nenhum suporte da familia "extendida" (tios, avós, primos), ter filhos pode ser considerado um ato egoista e irresponsável. É, no mínimo, temerário.
Filhos dão um sentido para nossa existência. Mas quem dará um sentido para a existência deles ?
A humanidade vem discutindo muitos temas nobres e se preocupando em salvar o planeta.
Creio que deveríamos incluir a procriação nessa pauta.
4 comentários:
seu texto é incrivelmene lucido, coisa rara, gosto muito! bj
Sempre terminando seus textos com uma cerejinha em cima do bolo...10!
minha avó dizia q seria o fim dos tempos quando os filhos começassem a matar os pais... será q chegou?
pq é como vc disse, está cada vez mais comum esse tipo de crime, e de pais para filhos tmb. isso me assusta muito.
não sei, mas não passa pela minha cabeça perder meus pais nem de forma natural, já q ambos são idosos, muito menos de outro jeito. os valores mudaram e isso é uma pena.
bem que vc avisou, pra ler depois do carnaval. adoro sua maneira de enumerar os fatos, acho tão coerente.
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