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segunda-feira, novembro 18, 2013

O Sexo dos Anjos - Final

Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme
Capítulo  4 - Deuses primordiais
Capítulo  5 - Serpente
Capítulo  6 - O despertar
Capítulo  7 - Ascenção
Capítulo  8 - Amor Eterno
Capitulo  9 - Um anjo se prepara
Capítulo 10 - Anima Mundi
Capítulo 11 - Holus

Capítulo 12 (final) -  O gozo de Gaia


Deuses não copulam como criaturas mortais.
Não existe penetração ou qualquer outro artifício para transferência de material genético de um corpo para o outro por uma razão simples: os deuses não tem corpos.
Embora os mortais possam imaginar os deuses a sua imagem e semelhança, eles são constituídos de energia livre.
Os corpos mortais também são constituídos de energia, colapsada, porém, como matéria.  A matéria é uma das formas possíveis para a energia.  Sua forma mais limitada, na verdade.
Para os deuses não existe essa limitação material.  São limitados apenas por sua consciência individual, seu ego e pelo apego a essa ideia.
Eros era, talvez, o único deus capaz de compreender o conceito em toda a sua extensão, mas isso não o impedia de exercitar o apego à individualidade.  Ao contrário, talvez fosse o mais individualista dos deuses, justamente pela consciência de que essa era a garantia de sua existência.
O único momento em que se permitia abrir a guarda era durante os encontros com Gaia.    
Esse era um momento paradoxal.  O prazer de Eros era inversamente proporcional à sua consciência individualista.  Quanto mais abrisse mão de sua individualidade, quanto mais se permitisse fundir com Gaia, mais prazer sentia, mas menos existia.
Nos instantes de prazer mais intensos, Eros transcendia sua existência.  Não havia mais a distinção entre Eros e Gaia.  Ambos formavam um único ser e suas energias se somavam e reverberavam, síncronas, ressonantes, formando uma só onda colossal.  Passado aquele momento eterno, Eros lembrava-se de haver sido Eros-Gaia.
Ao mesmo tempo em que essa lembrança o amedrontava, pela perda momentânea da individualidade, também o estimulava, porque ser Eros-Gaia era muito mais do que ser apenas Eros.
Gaia, é claro, tinha as mesmas sensações e menos restrições a essa fusão.  Por ela, poderia permanecer sendo Eros-Gaia por toda a eternidade.  A memória desses instantes preenchia o intervalo entre seus encontros fugidios, uma ou duas vezes em cada século.
Dizer que Eros se lembrava dos encontros não é correto.  Como Eros é temporalmente onipresente, todos os encontros com Gaia estão acontecendo, para ele, simultaneamente.
Impossível para os mortais, e mesmo para outros deuses, conceber essa ideia, a não ser no momento do orgasmo, quando tanto para os deuses como para os mortais, o tempo deixa de existir.
E foi neste particular encontro entre Eros e Gaia, quando Eros tinha sua atenção contaminada por seus planos e pelo recente encontro com Gabriel, que Gaia teve seu momento de epifania. 
No ápice de seu gozo, transcendeu a familiar sensação de ser Eros-Gaia para ser, por um breve e eterno instante, absolutamente tudo.
Khaos, Tártarus, Eros, Gabriel e tudo que existiu e existiria um dia, todas as manifestações da energia universal pareciam fazer parte dela.  Ou ela parecia fazer parte de tudo.  Não havia distinção.  O Universo passado, presente e futuro, era Gaia, e Gaia era o Universo.
Gaia havia experimentado um orgasmo transcendental e já não era Gaia.  Havia encontrado a verdade final e o sentido fundamental da não existência.
Num último olhar de apaixonada gratidão para Eros, Gaia dissolveu-se em seus braços.
Eros também havia experimentado a mesma sensação, absorvendo Gaia e sendo absorvido pela energia universal.
Mas ele estava alí, naquele momento, e em todos os outros momentos das possíveis linhas da existência.
Naquele preciso instante, Eros observava as diversas possibilidades de futuro e numa delas, ele já não estaria consciente de sua individualidade, dissolvido no universo como Gaia.  Neste caso, ele não teria como conhecer um futuro onde não estaria presente.
E foi então que Eros concebeu o plano que o levou até ali, não sem divertir-se com a curiosa circularidade dos acontecimentos.  Ele estava elaborando um plano que terminaria no exato instante em que começou.
Precisaria acessar os registros Acásicos de Gabriel para saber como seria o futuro caso decidisse permanecer naquele momento presente e deixar de existir.
Desviou sua atenção para o momento em que acessaria os registros, depois para sua conversa com Gabriel e, por último, para o encontro secreto com Maria Celeste, a companheira de Gabriel.
Não foi fácil convence-la a experimentar o prazer da fusão transcendental.  Celeste estava habituada as regras monogâmicas do Céu e Eros precisou utilizar todos os recursos de sedução para faze-la entender que ao final de seu plano, todos estariam de volta à energia universal, ou voltando ao encontro de Deus, na linguagem da primeira-anja.
Mas foi a menção ao gozo de Gaia que, finalmente, convenceu Celeste mergulhar na vivência com Eros.  E experimentar o maior orgasmo de sua milenar existência a convenceu de que ela, também, era Deus.  
Abraçados, ainda inebriados pelo aroma dos incensos de Lesbos, combinaram o sonho que Celeste induziria em Gabriel durante seu sono, com Bianca e Sheila.
Eros estava ali com Celeste, no topo do edifício com Gabriel, no templo com Khaos e Tártaros, no oriente inspirando a filosofia Tântrica, com Bianca despertando a Kundalini e com Gaia, deixando de existir.
Toda a energia gerada por todos os seres vivos com os quais Eros havia interagido por toda a eternidade convergiu para ele.
- Está feito ! - respondeu para Maria Celeste em outro ponto do espaço-tempo.
Uma imensa onda, um pulso energético originário de sua decisão final,  propagou-se pelo Universo e dissolveu toda a matéria existente.  
Tudo voltou a ser como no início dos tempos, ao som do último suspiro de Eros.

segunda-feira, dezembro 24, 2012

"O Sexo dos Anjos" - Cap. 4

Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme

Capítulo 4 - Deuses primordiais


Naquilo que parecia ser um antigo palácio grego em ruínas, 4 vultos agitados sussurravam com estranha intensidade.
Uma enorme lua alaranjada iluminava a cena, ressaltando a beleza dos corpos envoltos por mantos de seda branca.
-      -  Não temos mais poder sobre os humanos, Tártarus ... nenhum poder ! – a tristeza parecia transbordar em densas ondas dos olhos negros de Khaos.
-       - Não seja otimista, K... o fato é que não temos mais poder nenhum sobre nada.  A prova disso é que Gaia já está ficando com pés-de-galinha. – Tártarus jamais perdoara Gaia por havê-lo trocado por Uranus.
-       -  Rugas de expressão, Abyss querido ... – Gaia sabia que Tártarus detestava esse apelido – Ao contrário de você, eu me preocupo...
-       - Estamos “preocupados” há séculos ! – o rouco sussurro de Khaos fez tremerem as deterioradas colunas do palácio – E, enquanto isso, aquele embusteiro sem nome e cercado de passarinhos faz o que bem entende.
-      -  Anjos, Khaos, anjos ... e você não pode negar que são bonitinhos ... – Eros era incapaz de odiar quem quer que fosse – Eu ando pensando seriamente em adotar um par de asas ... você acha que ficaria bem com elas, Gaia ?
-       Você ficaria lindo até coberto de espinhos, Eros ... – Gaia sorriu, carinhosamente - ... e, lembre-se de que fui em que desenhei os pássaros.
-      -  Linda criatura e criadora apaixonada .... – Eros suspirou.
-       - Vamos parar com esse lambe-lambe ?!  Eu mandaria os dois para as profundezas dos meus domínios, se o embusteiro não tivesse entregue tudo para aquele chifrudo ridículo. - os dentes pontudos de Tártarus assustavam até mesmo os deuses primordiais.
Eros parecia particularmente relaxado naquela noite.  Acompanhava os rompantes de irritação de Khaos e Tártarus com um sorriso maroto, como se soubesse de algo e estivesse saboreando o momento antes de contar.
-       - Eu tenho boas notícias para vocês, irmãos de infortúnio.  Mas, primeiro, uma pergunta .... Lembram-se de como perdemos o poder ? – Eros decidira, finalmente, compartilhar as novidades.
-       Não estou afins de lavar roupa suja de novo, Eros ... Já discutimos esse assunto exaustivamente nos últimos dois mil anos.  Abusamos, fomos descuidados e, por fim, delegamos demais.  Você bem nos avisou de que não seria uma boa ideia deixar tudo nas mãos de Zeus e sua equipe de jovens talentos.  Aquele bando de exibicionistas egocêntricos acabou complicando tudo e os humanos perderam a fé.   Presa fácil para o primeiro embusteiro que aparecesse. – Khaos sempre se referia ao novato como embusteiro.
-       - Esse é o ponto chave, Khaos ... perderam a fé.  E o poder dos deuses é alimentado exclusivamente pela fé humana.  Sem ela não somos nada.  E você lembra de nossos bons tempos ?  Lembra como foi que conquistamos a fé dos humanos ?
-       - Está querendo confete, Eros ? – Tártarus destilava seu mau-humor habitual.
-       Não, Tártarus ... quero lembrar que conquistamos a fé dos humanos através do amor.  Gaia concebia as criaturas a partir da energia de Khaos, e eu inspirava o amor universal, o ágape.  E você, Tártarus, ia corrigindo nossos erros, banindo as criaturas que causavam a desarmonia.
-       Ah.... que mundo lindo, aquele ... – foi a vez de Gaia suspirar, enlevada pela memória dos tempos do paraíso.
-       E daí, Eros ?  Estamos cansados de saber disso. – os cabelos negros de Khaos esvoaçavam quando estava impaciente.
-       - E daí que o amor é a peça chave para a conquista e manutenção da fé.  Foi por isso que a equipe do Panteon se deu mal.  Zeus não amava ninguém, os outros deuses só queriam saber de tributos e aquele moleque, o filho da Afrodite que usava o meu nome, gostava mesmo é de uma boa suruba.
-       Se arrependimento matasse ....  – Tártaro ruminou.
-       Não mata, mas pode salvar .... hahaha ... – Eros não conseguiu evitar a piada sobre o discurso dos seguidores do novato.
-       - Eros, Eros ... – Gaia adorava deuses com bom humor.
-       - O fato é que esse novo deus aprendeu com nossos erros e vem mantendo seu poder centralizado, cuidando de tudo pessoalmente.  Mas isso é desgastante e, pelo que ouvi dizer, ele anda de péssimo humor não é de hoje.  Há tempos que não visita as criaturas que herdou de Gaia e nem manda um representante de peso para visita-las.  E não há ninguém encarregado de inspirar o amor por lá.  Está todo mundo sobrecarregado tentando cumprir ordens e manter o controle.  O resultado prático disso é que seu modelo centralizador e autoritário deixou-o completamente desconectado das bases.  Sem planejar, ele delegou a manutenção da fé aos próprios humanos.
-       Hummmm .. vejam só que interessante ... – Tártarus sorria pela primeira vez em séculos.
-       - Resumindo, meus queridos, temos uma boa oportunidade para retomar o que nos pertence ! – os olhos azuis de Eros encontraram os verdes de Gaia e uma onda de energia nasceu dos dois, envolvendo Khaos e Tártarus.
––––––– ∞ –––––––

Bianca, sonolenta, abriu a porta do quarto para Sheila.
Eram 8h00 da manhã e ela havia passado boa parte da noite dedicada à leitura do livro.
Sheila, ao contrário, havia acordado cedo, ansiosa para conversar com a amiga.
-       E então, Bi ?  Leu ?
-       Uahhhh – Bianca não conseguiu segurar o bocejo – Lí sim ...
-       - E o que sentiu ?
-      -  Olha ... o livro não é lá essas coisas ...
-       - Isso até eu, que não sou tão exigente, sei bem .... Mas quero saber o que foi que você sentiu ...

Sheila tomou as mãos de Bianca e a levou até a cama.   As duas se sentaram frente a frente, de pernas cruzadas sobre o colchão.
-       Me conta, Bi .. mas seja sincera.  É muito importante !  Preciso saber o que você sentiu ...

sábado, dezembro 22, 2012

"O Sexo dos Anjos" - Cap. 2

Minissérie de Ernesto Dias e Flavio Ferrari, publicada em capítulos alternados nos sites Assertiva e Arguta Café.


Capítulo 1 - Conjuratio  (clique aqui para ler a publicação no Assertiva)

Capítulo 2 - Tons e cores 


A decoração do quarto de Bianca revelava traços significativos de sua personalidade.
Do suave contraste entre as peças brancas do mobiliário e a predominância discreta do violeta nos grafismos florais do papel de parede até a rigorosa disposição de cada objeto no espaço, harmonizando formas e funções, tudo ali estava pronto para ser observado, avaliado, julgado e aprovado.
A luz indireta e suave era distribuída de forma a ressaltar as nuances e oferecer conforto visual.
Não se ouvia o zumbido do ar condicionado, cujo evaporador estava estrategicamente posicionado sobre a janela de moldura branca, mas a temperatura do ambiente mantinha-se permanentemente naquele intervalo agradável em que poderia ser ignorada.
O resultado era bonito, discreto, elegante e de um asceticismo moderno, quase epicurista.
Epícuro de Samos, filósofo grego (sec. IV a.C.), acreditava que prazeres moderados seriam o caminho para alcançar a felicidade, e isso seria obtido através da ausência de sofrimento corporal e a limitação dos desejos.
Tivesse ele a chance de conhecer Bianca, certamente colocaria a mão sobre sua cabeça e diria “kaló koritsi !” (boa menina).
Bianca levava uma vida confortável, correta e sem exageros.  Seu pai, engenheiro, havia trilhado uma brilhante carreira como executivo de uma multinacional e sua mãe concordara em abandonar seu trabalho como bibliotecária para “dedicar-se à família”, ou mais objetivamente a ela e a seu irmão dois anos mais novo.
Desde muito cedo, Bianca havia se acostumado a corresponder às expectativas.  Frequentou boas escolas e, como herdara do pai o raciocínio analítico e da mãe o talento para organizar as informações, sempre teve sucesso no ambiente acadêmico.  Formou-se em Economia, pós-graduou-se em Comercio Internacional na Suiça e, de volta à casa dos pais, preparava-se para enfrentar o mundo fazendo planos para o ano novo.
Mas agora, deitada em sua cama e lendo o livro emprestado por sua amiga Sheila, Bianca comprimia levemente suas coxas pensando em Christian Grey.
Sheila era a melhor amiga de Bianca desde os tempos do colégio.  Seu temperamento irrequieto e as atitudes irreverentes a encantavam.  De certa forma, Bianca vivia suas aventuras através das histórias de Sheila.
Pouco haviam se falado nos dois anos em que Bianca esteve na Suiça.
A noite anterior à sua partida havia sido constrangedora para Bianca. 
Emotivas e levemente embriagadas por algumas taças de vinho branco, haviam “exagerado na afetividade”, ou pelo menos essa era a expressão que Bianca usava quando recordava o momento.  
A memória sensorial das mãos de Sheila deslizando sobre seu vestido fino de algodão, a sucessão de pequenos beijos no rosto até alcançar sua boca, o perfume dos cabelos e a suavidade de seus lábios, o turbilhão de emoções entorpecidas pelo álcool, amizade, amor, tesão e culpa, e orgasmo intenso e longo, como nunca havia experimentado, abalaram sua serenidade epicurista.
Bianca viajou na manhã seguinte e não voltaram a falar no assunto.
Na volta de Bianca e para seu alívio, Sheila parecia haver esquecido do episódio e recebeu-a nos braços com a mesma naturalidade de sempre.
Foram horas de conversa, num delicioso reencontro, cada qual contando as aventuras desses dois anos de separação.
No dia seguinte, Sheila deixara um livro na portaria do prédio de Bianca com um bilhete:
“Amiga, você precisa ler esse livro.  A gente conversa quando você acabar. Beijomeliga.”
Bianca decidiu ler apenas para não decepcionar a amiga.  Seu gosto para literatura não poderia ser mais divergente do de Sheila e raramente encontrava algo de interessante nos “best sellers” da moda, como era o caso de “Cinquenta tons de cinza”.  Além disso, preferia ler, sempre que possível, na língua original ou na versão para o inglês.  Considerava que a língua portuguesa, imprecisa e estruturalmente desordenada, não dava conta de transmitir com exatidão as ideias elaboradas em outros idiomas.
Teve que fazer um certo esforço para superar as primeiras páginas.  Mas na medida em que avançava na leitura, não pode evitar uma certa identificação com Anastasia Steele, a jovem e “inocente” protagonista do romance.
Enquanto sua razão avaliava a pobreza literária da trama, seu corpo respondia inconscientemente à descrição das cenas com a lembrança das mãos de Sheila tocando levemente suas coxas sob o vestido de algodão.