Capítulo 1 - Conjuratio (clique aqui para ler a publicação no Assertiva)
Capítulo 2 - Tons e cores
A decoração do quarto de Bianca revelava
traços significativos de sua personalidade.
Do suave contraste entre as peças brancas
do mobiliário e a predominância discreta do violeta nos grafismos florais do
papel de parede até a rigorosa disposição de cada objeto no espaço, harmonizando
formas e funções, tudo ali estava pronto para ser observado, avaliado, julgado
e aprovado.
A luz indireta e suave era distribuída de
forma a ressaltar as nuances e oferecer conforto visual.
Não se ouvia o zumbido do ar condicionado,
cujo evaporador estava estrategicamente posicionado sobre a janela de moldura
branca, mas a temperatura do ambiente mantinha-se permanentemente naquele
intervalo agradável em que poderia ser ignorada.
O resultado era bonito, discreto, elegante
e de um asceticismo moderno, quase epicurista.
Epícuro de Samos, filósofo grego (sec. IV
a.C.), acreditava que prazeres moderados seriam o caminho para alcançar a
felicidade, e isso seria obtido através da ausência de sofrimento corporal e a
limitação dos desejos.
Tivesse ele a chance de conhecer Bianca, certamente
colocaria a mão sobre sua cabeça e diria “kaló koritsi !” (boa menina).
Bianca levava uma vida confortável, correta
e sem exageros. Seu pai, engenheiro,
havia trilhado uma brilhante carreira como executivo de uma multinacional e sua
mãe concordara em abandonar seu trabalho como bibliotecária para “dedicar-se à
família”, ou mais objetivamente a ela e a seu irmão dois anos mais novo.
Desde muito cedo, Bianca havia se
acostumado a corresponder às expectativas.
Frequentou boas escolas e, como herdara do pai o raciocínio analítico e
da mãe o talento para organizar as informações, sempre teve sucesso no ambiente
acadêmico. Formou-se em Economia,
pós-graduou-se em Comercio Internacional na Suiça e, de volta à casa dos pais,
preparava-se para enfrentar o mundo fazendo planos para o ano novo.
Mas agora, deitada em sua cama e
lendo o livro emprestado por sua amiga Sheila, Bianca comprimia levemente suas
coxas pensando em Christian Grey.
Sheila era a melhor amiga de Bianca desde
os tempos do colégio. Seu temperamento
irrequieto e as atitudes irreverentes a encantavam. De certa forma, Bianca vivia suas aventuras
através das histórias de Sheila.
Pouco haviam se falado nos dois anos em que
Bianca esteve na Suiça.
A noite anterior à sua partida havia sido
constrangedora para Bianca.
Emotivas e levemente embriagadas por
algumas taças de vinho branco, haviam “exagerado na afetividade”, ou pelo menos
essa era a expressão que Bianca usava quando recordava o momento.
A memória sensorial das mãos de Sheila
deslizando sobre seu vestido fino de algodão, a sucessão de pequenos beijos no
rosto até alcançar sua boca, o perfume dos cabelos e a suavidade de seus
lábios, o turbilhão de emoções entorpecidas pelo álcool, amizade, amor, tesão e
culpa, e orgasmo intenso e longo, como nunca havia experimentado, abalaram sua
serenidade epicurista.
Bianca viajou na manhã seguinte e não
voltaram a falar no assunto.
Na volta de Bianca e para seu alívio,
Sheila parecia haver esquecido do episódio e recebeu-a nos braços com a mesma
naturalidade de sempre.
Foram horas de conversa, num delicioso
reencontro, cada qual contando as aventuras desses dois anos de separação.
No dia seguinte, Sheila deixara um livro na
portaria do prédio de Bianca com um bilhete:
“Amiga, você precisa ler esse livro. A gente conversa quando você acabar.
Beijomeliga.”
Bianca decidiu ler apenas para não
decepcionar a amiga. Seu gosto para
literatura não poderia ser mais divergente do de Sheila e raramente encontrava
algo de interessante nos “best sellers” da moda, como era o caso de “Cinquenta
tons de cinza”. Além disso, preferia
ler, sempre que possível, na língua original ou na versão para o inglês. Considerava que a língua portuguesa,
imprecisa e estruturalmente desordenada, não dava conta de transmitir com
exatidão as ideias elaboradas em outros idiomas.
Teve que fazer um certo esforço para
superar as primeiras páginas. Mas na
medida em que avançava na leitura, não pode evitar uma certa identificação com
Anastasia Steele, a jovem e “inocente” protagonista do romance.
Enquanto sua razão avaliava a pobreza
literária da trama, seu corpo respondia inconscientemente à descrição das cenas
com a lembrança das mãos de Sheila tocando levemente suas coxas sob o vestido
de algodão.
12 comentários:
Vocês estão rápidos ehm! Muito bommmmmmmmmmmm... Estou curiosa :-)
bjs
Anne
Estão rápidos e a leitura está deliciosa!!! Meus parabéns Flávio, o segundo capítulo ficou ótimo!!!
beijos
Paula Nolf
Começo rápido para cativar os leitores, Anne :-)
Tks, Paula ... bj
Bora continuar, que tá ficando muito bommm...
Ah, e a figurinha, então, aff!!! Deu calor aqui... ;-)
Bolas, esse comentário logo acima era meu...rsrs... como é que a gente se identifica por aqui???
bj
Luiza Pastor
Luiza
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abraços
Anne
Será que não ter lido e nem saber exatamente do que se trata 50 tons de cinza, vão comprometer o entendimento da leitura (é a lerdinha entrando em ação).
Po enquanto tôintendendutudo e tô gostando bastante. Adorei as descriçoes do ambiente, coisa de quem anda se preocupando em ocupar novos espaços.
Hummmm, delícia de leitura. O capítulo do Ernesto também está impecável. Será que o CEO do céu tá de olho na Biaca?
Quero so ver o gancho que vcs dois vao arrumar dessa vez, entre os dois nucleos....
Lu
Que beleza !! E que belo desafio !!
Temos um belo caminho pela frente, rumo ao grande prazer de uma obra memorável.
Gostei !! Já estou preso e fiel à leitura.
Abraço,
Walmir
Putz,não li 0 tons de cinza. Mas quer saber....por hora estou entendendo tudinho rs e A D O R A N D O .
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