Saio com o carro da garagem e começa a
chover.
Quem mora em São Paulo costuma ter uma
relação conflituosa com a chuva. Ela
limpa e humedece o ar, lava a poeira da cidade, enche as represas, mas faz
grandes estragos e torna a cidade ainda mais caótica.
No carro, a associação com o trânsito é
imediata. Chove e a cidade para.
Mas já era tarde e não deveria enfrentar
dificuldades no trajeto que faria.
Talvez algumas pequenas áreas de alagamento, já conhecidas e, portanto,
evitáveis.
A chuva começa a “apertar” e eu vejo um
casal na calçada, pego de surpresa pelo aguaceiro, acelerando o passo. Algumas poucas sacolas na mão indicavam que
estavam a caminho de casa, possivelmente não muito longe dali.
Eu, sozinho e confortavelmente protegido no
meu carro, começo a inventar desculpas para conter meu impulso de oferecer uma
carona.
Observei o casal por alguns instantes na
sua inútil tentativa de proteger os pacotes da chuva, evitar as poças e fugir
da água espirrada pelos veículos que passavam próximos à sarjeta.
Como todo paulistano, já passei por essa
situação um par de vezes. Não mata, mas
é desagradável. E me lembro de haver
olhado para os carros nas ruas com certa tristeza. Como a vida seria mais fácil se as pessoas
fossem mais gentis umas com as outras.
Parei de pensar e decidi agir. Encostei no meio fio, ao lado do casal, abri
a janela e ofereci ajuda com meu melhor sorriso solidário:
-
Querem uma carona para fugir da
chuva ?
O homem me olhou com certa surpresa e
respondeu imediatamente, sem interromper a caminhada:
-
Não, obrigado. Moramos aqui perto.
Seguiram apressados sob a chuva que
aumentava exponencialmente de intensidade.
Fiquei ali parado por alguns instantes,
observando-os se afastar. A mulher dizia
alguma coisa ao companheiro que balançava a cabeça e gesticulava com a mão
livre.
Imaginei o diálogo:
-
Custava aceitar a carona do
moço ? Olha aí ... a chuva vai estragar os pacotes !
-
De um estranho, Madalena ? Você não lê jornal ? Pensa que a vida é cor-de-rosa ? Vai saber qual era a intenção dele ... Melhor assim, molhados e vivos. A gente embrulha os presentes de novo lá em
casa.
-
Eu devia ter entrado no carro e
deixado você ir a pé ... Olha só o meu cabelo.
Fui ontem no cabelereiro. Claro
que você nem reparou ...
-
Tá que eu ia deixar você ir sozinha
com aquele cara ...
-
Me deixar tomar chuva por causa
da sua paranoia pode, não é, Alfredo ? Da próxima vez eu vou ... se você quiser
que venha atrás ... E ainda dou um beijo
de agradecimento só para você deixar de ser besta.
-
Anda, Madalena ... anda
... Da próxima vez você tem é que
lembrar de trazer um guarda-chuva.
Retomei o caminho com a convicção de que não
é fácil ser gentil numa cidade grande e que o Alfredo teria um final de noite
pior do que o meu.
Um comentário:
Ja passei por algo assim, fiquei ate sem graça, me olhei no espelho do carro, pra me certificar q não tenho cara de sequestradora...é dificil sim, gentileza hj em diz de tão rara, ficou suspeita!
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