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segunda-feira, abril 24, 2006

Seu Chico, o governo e a Maracutaia


Confesso que fui irônico outro dia, quando falei do fruto da Maracutaia. Foi, sim, uma crítica velada ao desleixo e à conivência das autoridades brasileiras com a corrupção. Talvez tenha sido injusto. Em alguns casos, o governo tem demonstrado extrema preocupação com o dinheiro do povo. Vejam o caso do seu Chico, por exemplo. Seu Chico já ultrapassou a casa dos 80 anos e vive sozinho em uma pequena chácara nas proximidades de São Paulo. Já não trabalha. Vive do que planta e da ajuda de seus filhos. Na semana passada, após anos de disputa jurídica contra o INSS, obteve ganho de causa em primeira instância em seu processo de aposentadoria. O Juiz decretou que seu Chico teria o direito de receber aproximadamente R$ 350,00 mensais e ordenou o pagamento retroativo. Como isso representaria um desembolso em torno de R$ 9.000,00 que sairia dos cofres públicos, o INSS recorreu da sentença. Essa medida resulta em que o processo deverá se arrastar por mais 5 ou 10 anos, isto se o seu Chico tiver dinheiro para pagar um advogado e saúde para continuar lutando contra o INSS. A linha dura do governo com seu Chico é compreensível. O INSS toma medidas como essa justamente para evitar que gente como o seu Chico viva do fruto das Maracutaias. Já não bastam os milhões em malas, cuecas e contas em paraísos fiscais ? Não chegam os bilhões desviados em obras públicas faraônicas ? E ainda vem o seu Chico querendo levar seus 9 mil reais !?! Mesmo que tenha direito a receber essa quantia, seu Chico deveria ser patriota e ter uma visão mais abrangente da realidade brasileira. O dinheiro arrecadado pelo governo não dá para todo mundo. Seu Chico nunca ocupou um cargo público sequer em sua vida. Não participou de nenhum esquema e nem apoiou qualquer manobra. Não pode querer, portanto, ter prioridade na divisão do dinheiro do governo. Obviamente, a prioridade é dos que nele militam. Temos, portanto, pelo menos um exemplo de austeridade: a luta do governo para que seu Chico não se locuplete com os R$ 9.000,00 a que tem direito e, insensivelmente, insiste em receber junto com seu mensalão de 350 reais. Pelo menos nesse caso, o governo não está deixando brechas para o cultivo da Maracutáia. Em tempo: eu visitei a chácara do seu Chico. Lá tem um pouco de tudo, menos Maracutáia.

segunda-feira, abril 17, 2006

Segredos do Sucesso Profissional

Os profissionais mais jovens tendem a identificar como “sucesso” a escalada dos níveis hierárquicos de uma empresa.
Diretores, portanto, costuma ser apontados como pessoas de “sucesso”.
Um primeiro comentário cabível é que essa definição de sucesso resultaria na frustração da grande maioria dos profissionais já que o número de postos de diretoria nas empresas é bastante restrito e, como conseqüência, a maioria dos profissionais não será capaz de ter sucesso caso esse seja seu objetivo (ser diretor).
Acredito que ter sucesso profissional é ser capaz de encontrar uma profissão ou posição onde sejamos capazes de nos realizar profissionalmente, obtendo satisfação e prazer no trabalho, e com uma remuneração que nos permita alcançar também os objetivos pessoais.
Admiro quem, apesar de toda a pressão social para escalar altos postos hierárquicos, é capaz de identificar qual, de fato, é seu melhor caminho pessoal-profissional, realizando-se em outras posições ou atividades que lhe pareçam mais de acordo com sua própria natureza.
Independentemente do caminho escolhido por cada um, creio que, em função da oportunidade que tive durante todos esses anos de acompanhar o desenvolvimento de inúmeros profissionais realizados, posso dar um palpite sobre qual seria o segredo do sucesso.
O primeiro grande segredo é o auto-conhecimento. Saber o quer, conhecer seus talentos e limitações e compreender a dinâmica de funcionamento pessoal são aspectos fundamentais para o sucesso profissional.
O segundo grande segredo é escolher o lado certo. A vida profissional é recheada de desafios e oportunidades; de problemas e soluções.
O profissional de sucesso, geralmente, é o que encara problemas como desafios e se dispõe a encontrar soluções que se transformam em oportunidades.
Nesse sentido, tenho observado que os profissionais se dividem em 4 tipos básicos:
- os Acomodados: não se preocupam com a empresa (e, portanto, a empresa não se preocupa com eles)
- os Alarmistas: estão sempre apontando um problema. São úteis para a empresa, mas muito aborrecidos e, portanto, acabam sendo preteridos quando surge uma oportunidade de promoção.
- os Solucionadores: encontrando um problema, são os primeiros a sugerir ou apoiar uma solução. São percebidos de forma bastante positiva na organização.
- os Realizadores: identificado um problema e uma possível solução, se oferecem imediatamente para participar de sua implementação, motivando toda a equipe. Esses costumam ser os “xodós” das chefias.
Profissionais solucionadores-realizadores são sempre os primeiros da lista de candidatos a uma promoção, porque estão do lado da solução.
Entre eles, a empresa deverá escolher os que tem outras competências compatíveis com a função a ser exercida.

quinta-feira, abril 13, 2006

Frutas Exóticas Brasileiras : Maracutáia

O Brasil é conhecido mundialmente pela abundância de sua fauna e flora.
A diversidade chama a atenção dos estrangeiros, particularmente no caso de nossas frutas exóticas.
Dentre elas, a Maracutáia assume, sem dúvida, o posto da fruta mais notória do momento.
A Maracutáia foi trazida para o Brasil pelos expatriados portugueses no momento do descobrimento.
A corte portuguesa era apaixonada por esse fruto polpudo, que já naquela época era alvo da volúpia dos governantes.
Muito comum, na corte, ouvir alguém comentar com voz melíflua ao pé do ouvido: “Adoro uma boa Maracutáia !”
A Maracutáia espalhou-se rapidamente pelo Brasil, incentivada pelos Bandeirantes e pelos governadores das Capitanias Hereditárias.
Seu cultivo é artesanal. As sementes da Maracutáia são plantadas em brechas abertas em terreno propício com auxílio de picaretas.
Existem alguns hábitos e superstições curiosas relativos ao cultivo, plantio e consumo da fruta.
Acredita-se que o cultivo da Maracutáia deve ser feito em grupo. A idéia, transmitida de geração para geração, é de que quando um grande grupo de amigos está dedicado ao cultivo da Maracutáia, o terreno fica mais fértil e a colheita é segura e generosa.
Diferentemente de outras culturas de frutas que tem a tradição de realizar festas no momento da colheita, os cultivadores da Maracutaia mantém a tradição de realizá-la de forma discreta e quase sigilosa. Essa tradição é alimentada por histórias contadas à boca pequena, sobre pessoas que comemoraram a colheita dos frutos da Maracutáia de forma muito expansiva e perderam tudo o que colheram.
Após a colheita, os frutos são guardados em local distante e seguro e a comunidade age como se não soubesse da existência de Maracutáias na região.
Outro interessante hábito relacionado com a Maracutáia se apresenta no momento do consumo pelas famílias. Quando o fruto da Maracutáia é colocado sobre a mesa, a família faz de conta que não sabe do que se trata. Acredita-se que dá azar mencionar a palavra Maracutáia em família, principalmente para as crianças.
Os frutos da Maracutáia também podem ser utilizados para aquisição de outros bens de consumo. E é curioso notar que, também nesse caso, os terceiros que recebem os frutos em troca de produtos, serviços ou favores, fingem ignorar sua procedência.
São particularidades da natureza supersticiosa do povo brasileiro.
Alguns segmentos da sociedade, uma minoria vale dizer, acreditam que o cultivo da Maracutáia é nocivo para o Brasil, na medida em que contamina o solo e compromete outros cultivos importantes. Esses grupos também defendem a tese de que o consumo dos frutos da Maracutáia tem efeitos nocivos sobre os seres humanos, com efeitos próximos ao de drogas pesadas, afetando a percepção e alterando a personalidade do indivíduo.
Várias iniciativas vem sendo tomadas por ONGs na tentativa de coibir a Maracutáia no país mas, até o momento, seu resultado tem sido pífio.
Embora já existam algumas leis específicas que visam reduzir seu cultivo, as estatísticas indicam que os frutos da Maracutáia seguem como o prato predileto das famílias mais abastadas, principalmente no planalto central.

quarta-feira, abril 12, 2006

Visão de Mundo: repertório e interpretação


Condensando todo um capítulo do livro Leviatã, de Thomas Hobbes, publicado em 1651, traduzo aqui em 2 parágrafos sua visão sobre os sentidos e, em particular, a visão:
“Nossas sensações são causadas pela ação de um corpo externo diretamente sobre o órgão próprio de cada sentido.
Se as cores estivessem nos objetos não poderiam ser separadas deles, como acontece nos espelhos. Assim, é evidente que a coisa vista está em uma parte e a aparência em outra. Uma coisa é o objeto; outra é a imagem ou a fantasia que produzimos como reação à pressão de sua “parte visível” em nossos olhos.”
Hobbes defendeu esse conceito numa época em que a biologia e a física ainda não haviam reunido conhecimento suficiente para bem explicar o funcionamento da visão. É uma interpretação lógica do fenômeno, baseada em seu repertório.
E nós iremos interpretar a explicação de Hobbes segundo o nosso repertório atual.
A primeira sensação que a explicação desperta é a de que Hobbes, por falta de conhecimento específico, estava sendo ingênuo em sua explicação, aparentemente despropositada.
Essa idéia de que o objeto tem uma “parte visível”, dele dissociada, e que é essa parte visível que, deixando o objeto, entra em contato direto com nossos olhos parece, no mínimo, despropositada.
Mas fato é que segundo a física e a biologia modernas a visualização de um objeto se dá quando nossos olhos são capazes de captar refletida por ele. Ou seja, não estamos “vendo” realmente o objeto, mas sim, estamos reagindo ao contado da luz refletida sobre nossa retina.
Em síntese, Hobbes tinha razão.
Recomendo a leitura do livro de Hobbes.
Em Leviatã Hobbes descreve seu ideal de funcionamento da sociedade, partindo de seu principal elemento constituinte, o ser humano.
Acreditava que seria impossível conceber um sistema de governo adequado sem conhecer o funcionamento do ser humano em profundidade e aceitá-lo como premissa.
Independentemente da visão política e social de Hobbes, me parece que também aí ele estava coberto de razão.
E chamo a atenção para esse ponto porque, muitas vezes, os gestores de empresas parecem se esquecer de que seu principal elemento constituinte também é o ser humano.
Como já comentei em um post anterior, no fim, tudo é mesmo pessoal. Principalmente as interpretações.

segunda-feira, abril 10, 2006

A Era das Grandes Navegações está de volta

Quinhentos anos depois, estamos de volta à era das Grandes Navegações.
Românticas, pero obsoletas, as Caravelas foram substituídas por Browsers e os novos caminhos para as Índias ficam à cargo de roteadores.
Mas, aviso aos navegantes, as oportunidades comerciais seguem sendo as mesmas.
A grande diferença está no risco.
Quando Cabral, Colombo e Vasco da Gama singraram os mares nunca dantes navegados em busca de terras prometidas e/ou desejadas, davam grandes demonstrações de coragem a cada vez que levantavam os ferros.
Agora, corajoso é o executivo que não navega, correndo o risco do não descobrimento.
Muda o mundo, muda a moda, mete medo a mingua morosa.

sexta-feira, abril 07, 2006

Expressões Brasileiras 2: “Deixa comigo”




Nossos colegas latino-americanos se encantam com algumas expressões típicas do Brasil.
Um amigo chileno acha muito divertida nossa obsessão com a legalidade. Como ele bem observou, sempre que nos encontramos, antes de iniciar qualquer conversar perguntamos se tudo está legal.
Outro, mexicano, morre de rir sempre que alguém muito irritado afirma que “assim não dá”.
Mas a expressão que melhor representa os brasileiros, segundo a opinião de nossos colegas de habla hispânica, é “deixa comigo”.
“Deixa comigo” traduz a essência do talento brasileiro para a improvisação.
Além de indicar extrema boa vontade e interesse para com o problema do interlocutor, demonstra o poder de desarticulação de tensões e de harmonização de nosso povo.
Imagine a situação: você esta participando de uma discussão tensa sobre um problema que precisa ser resolvido. São 19h30 e você prometeu à sua mulher que estaria em casa antes das 7 para um jantar com amigos. A reunião não terminará antes que se encontre uma solução para o problema.
Problema por problema, você se vê tentado a lançar mão do bordão: “deixa comigo que eu resolvo”.
Todos concordam, a reunião se dissolve e você pode ir para casa resolver o outro problema (do atraso).
A diferença é que um companheiro latino menos avisado realmente acredita que você assumiu a responsabilidade pelo projeto em questão, a menos que esteja familiarizado com a cultura empresarial tupiniquim, que não considera relevante a atribuição clara de responsabilidades e de limites de autoridade.
E o interessante é que não se trata de uma questão de má fé. Legitimamente, você tentará encaminhar o problema no dia seguinte, embora provavelmente não tenha conhecimento ou autoridade suficiente para fazê-lo.
E se não der, convocará outra reunião, preferivelmente em um dia que não precise sair mais cedo para algum outro compromisso.
Certamente aparecerá outro candidato para assumir a responsabilidade por um novo período.

Expressões brasileiras 1: “Até aí, morreu o Neves !”

Qualquer um com mais de 40 anos, mesmo não sendo fã do Nelson Rodrigues, já deve ter ouvido a expressão: “até aí, morreu o Neves”.
A idéia é que, embora a morte do Neves seja um fato grave (alguém morreu), como ele representa apenas um ilustre desconhecido sem qualquer relação com os interlocutores, o fato não traz qualquer implicação maior e pode ser ignorado.
Ainda que a expressão em si já esteja em desuso, a atitude não poderia estar mais em voga.
Muito comum, principalmente em empresas multinacionais de origem norte americana que sofrem da síndrome do excesso jurídico, a crença de que “se não é da minha área então não é problema meu” encontra forte ressonância também no território nacional.
Talvez seja, no nosso caso, um efeito colateral de implementações de sistemas de otimização de gestão mal conduzidas.
Fato é que, ainda que a morte do Neves tenha ocorrido em outro departamento, a conta do enterro pode vir parar no seu centro de custo, e certamente o féretro circulará por toda a empresa, lembrando-nos de que poderíamos ter feito algo por ele quando ainda em vida.
E a sensação final será a de que, tal qual Elvis, o Neves não morreu. Ficará na memória de todos por um bom tempo.