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terça-feira, outubro 10, 2006

Cutucocú Cuntaquara

A figura do Pajé é onipresente nas tribos indígenas brasileiras.
Uma mistura bem dosada de Líder Espiritual, Mago-Cientista, Médico e Psicólogo, o Pajé costuma ser o principal responsável pela gestão do conhecimento e o desenvolvimento de pessoas na comunidade.
Uma das principais atribuições do Pajé é gerar o desconforto intelectual, tão necessário para a evolução da mente humana.
Talvez o mais famoso Pajé da história brasileira tenha sido Cutucocú Cuntaquara.
Seu nome, que em tupi-guarani significaria, justamente, “aquele que nos causa desconforto íntimo”, traduz o brilhantismo de sua atuação;
Cotucocú era o tipo da pessoa que, quando lhe desejavam um bom dia, perguntava por quê.
Quando alguém estava triste, questionava suas razões até minimizá-las diante dos mistérios da vida.
A quem vinha partilhar sua felicidade, desnudava sua leviandade.
Tinha explicações complexas para tudo, que eram prontamente substituídas por outras igualmente complexas quando alguém conseguia entender a anterior.
Mas também era capaz de simplificar tudo, sempre que se tentava complicar o caso.
Exercia sobre todos uma influência desconcertante, pela projeção inconsciente do temor do auto conhecimento.
Mas não pensem os senhores que Cuntaquara o fazia por sadismo ou narcisismo (embora o sorriso irônico deixasse antever algum prazer).
Ele não havia desejado ser Pajé. Sua curiosidade incontrolável e obsessão crítica não lhe deixaram outra alternativa.
Não via outro sentido na vida senão o de questioná-la.
Mas a cultura indígena é sábia, e a pajelança existia para isso mesmo, ou seja, para acomodar e direcionar, de forma produtiva para a tribo, as agruras de uma alma atormentada pelo inconformismo.
A sociedade moderna, superficial e cosmética, não tem mais espaço para Pajés da estirpe de Cutucucú.
O entretenimento ocupou o espaço da introspecção. O encontro com o outro é mais importante do que o consigo mesmo.
E o pragmatismo pilatinao (ou poncês, se preferirem) que grassa é de fazer lavar as mãos em lágrimas desde o tempo de Cristo.
Com isso, crescemos menos, e trocamos a vida por uma busca hedonista, infrutífera porque quimérica.
Por isso, meus amigos, quando encontrarem alguém como Cutucucú, não reclamem ... aproveitem.Sair da zona de conforto por alguns momentos pode fazer bem.

3 comentários:

Anônimo disse...

Minha grande dúvida sempre é... Será que existe alguém que possa dar conforto ao Pajé? Será que ele se permitiria receber abrigo e tranquilidade?...

E pior... Se receber conforto, provalvelmente não será mais o Pajé..

A grande mudança que vejo nos dias de hoje é que não temos mais nos seres mais experientes a Sabedoria, ou em DEUS o conceito de certo ou errado... As relações são mais individualistas e por isso requerem de cada um de nós sermos o próprio Pajé, o próprio defensor do que é certo ou errado e mais ainda... saber adaptar-se aos diversos relacionamentos existentes, já que os conceitos não são mais universais...

Difícil, não?

Flavio Ferrari disse...

O bom Pajé é um contaminador, "xamanizante".
E você está certa quando afirma que o desconforto é seu estado de espírito natural.
A questão é que o homem fez Deus a sua imagem e semelhança e, por isso, pela projeção de nossas necessidades, criou um Deus do certo-errado.
Na verdade, nossa única opção é a de optar, e assumir a responsabilidade pela decisão.
Não acho que difícil seja melhor palavra para descrever esse processo.
É, simplesmente, a vida...

Anônimo disse...

Flá, é incrível como você mantém essa capacidade de criar o nome de seus personagens!...