Parte 1
O ínicio do fim
Noite.
O “velho” Barceló estava sentado, cotovelos apoiados na sólida escrivaninha de mogno entalhado, olhos perdidos na distância da planície iluminada pela lua cheia que se podia ver da janela de seu pequeno escritório no andar térreo do antigo sobrado.
A casa, no alto da colina, resistia ao tempo com galhardia. A pintura amarelada pelo tempo contrastava com o verde musgo escurecido das calhas, grades e janelas. Era como se uma daquelas pequenas casas londrinas houvesse sido transportada no tempo e no espaço para aquele local bucólico nas colinas de Monte Verde.
A estante, também de mogno, ocupava toda a parede, repleta de livros antigos e raros. História, filosofia, esoterismo, os assuntos preferidos de Barceló, deixavam pouco espaço para a conquista de publicações modernas.
A iluminação incandescente era insuficiente e obrigava Barceló a usar seus óculos de aro redondo, coisa que ele detestava. Mas apesar da insistência de Isabela, sua jovem governanta, ele estava convencido de que uma mudança na luminosidade alteraria o equilíbrio fundamental do ambiente, necessário às suas introspecções.
- Rabugento.... – ele pensou. Estou ficando rabugento.
Era difícil determinar a idade de Barceló por sua aparência. Magro, um metro e oitenta, cabelos escuros mas já levemente grisalhos e muito finos, pele clara permanentemente bronzeada pelas caminhadas matinais ao sol. As muitas rugas de expressão revelavam uma personalidade comunicativa e um caráter forte, que transpirava em toda sua postura.
Alternava gestos amplos típicos dos latinos com um caminhar sereno e firme, quase felino.
O olhar profundo, e algo sarcástico era um permanente tormento para a pobre Isabela, que tentava, em vão, esconder seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, sempre adivinhados pelo patrão.
O mesmo olhar que agora revelava uma resignada tristeza diante do inevitável.
- E velho .... rabugento e velho.
Barceló levantou e, displicentemente, retirou um livro da estante. Admirou a figura do dragão estampada em ouro sobre a capa de couro por sobre a armação de seus óculos e deu um forte suspiro.
- Chegou a hora .... – uma sombra passou rapidamente por seus olhos.
Sentou-se novamente, colocou o livro ao lado do notebook e começou a digitar uma mensagem.
“Caro,
Neste momento em que te escrevo, sinto-me abandonado pelas certezas de toda uma vida.
Por mais que tenha me preparado, a degradação do corpo afeta meu espírito.
Não sou mais o mesmo.
O herói de outrora enfrenta no ocaso, seu mais difícil inimigo, retornando do Oráculo de Delfos.
É chegada a hora de trilhar o caminho do Dragão, enquanto me restam forças para isso, e preciso de sua ajuda.
Tal qual combinamos há 20 anos, este é o chamado e sei que posso contar com você.
Comece os preparativos para a cerimônia. Deverá acontecer na próxima semana, na lua cheia.
Do meu lado, terminarei o trabalho com Isabela.
Espero que não tenha me enganado em sua escolha. Não haveria tempo para preparar o resgate de outra musa.
Avise-me assim que tudo estiver pronto.
Barceló.”
A inspiração profunda acompanhou o apertar do botão do mouse e a mensagem foi enviada.
- Que a alma seja grande ....
O “velho” Barceló estava sentado, cotovelos apoiados na sólida escrivaninha de mogno entalhado, olhos perdidos na distância da planície iluminada pela lua cheia que se podia ver da janela de seu pequeno escritório no andar térreo do antigo sobrado.
A casa, no alto da colina, resistia ao tempo com galhardia. A pintura amarelada pelo tempo contrastava com o verde musgo escurecido das calhas, grades e janelas. Era como se uma daquelas pequenas casas londrinas houvesse sido transportada no tempo e no espaço para aquele local bucólico nas colinas de Monte Verde.
A estante, também de mogno, ocupava toda a parede, repleta de livros antigos e raros. História, filosofia, esoterismo, os assuntos preferidos de Barceló, deixavam pouco espaço para a conquista de publicações modernas.
A iluminação incandescente era insuficiente e obrigava Barceló a usar seus óculos de aro redondo, coisa que ele detestava. Mas apesar da insistência de Isabela, sua jovem governanta, ele estava convencido de que uma mudança na luminosidade alteraria o equilíbrio fundamental do ambiente, necessário às suas introspecções.
- Rabugento.... – ele pensou. Estou ficando rabugento.
Era difícil determinar a idade de Barceló por sua aparência. Magro, um metro e oitenta, cabelos escuros mas já levemente grisalhos e muito finos, pele clara permanentemente bronzeada pelas caminhadas matinais ao sol. As muitas rugas de expressão revelavam uma personalidade comunicativa e um caráter forte, que transpirava em toda sua postura.
Alternava gestos amplos típicos dos latinos com um caminhar sereno e firme, quase felino.
O olhar profundo, e algo sarcástico era um permanente tormento para a pobre Isabela, que tentava, em vão, esconder seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, sempre adivinhados pelo patrão.
O mesmo olhar que agora revelava uma resignada tristeza diante do inevitável.
- E velho .... rabugento e velho.
Barceló levantou e, displicentemente, retirou um livro da estante. Admirou a figura do dragão estampada em ouro sobre a capa de couro por sobre a armação de seus óculos e deu um forte suspiro.
- Chegou a hora .... – uma sombra passou rapidamente por seus olhos.
Sentou-se novamente, colocou o livro ao lado do notebook e começou a digitar uma mensagem.
“Caro,
Neste momento em que te escrevo, sinto-me abandonado pelas certezas de toda uma vida.
Por mais que tenha me preparado, a degradação do corpo afeta meu espírito.
Não sou mais o mesmo.
O herói de outrora enfrenta no ocaso, seu mais difícil inimigo, retornando do Oráculo de Delfos.
É chegada a hora de trilhar o caminho do Dragão, enquanto me restam forças para isso, e preciso de sua ajuda.
Tal qual combinamos há 20 anos, este é o chamado e sei que posso contar com você.
Comece os preparativos para a cerimônia. Deverá acontecer na próxima semana, na lua cheia.
Do meu lado, terminarei o trabalho com Isabela.
Espero que não tenha me enganado em sua escolha. Não haveria tempo para preparar o resgate de outra musa.
Avise-me assim que tudo estiver pronto.
Barceló.”
A inspiração profunda acompanhou o apertar do botão do mouse e a mensagem foi enviada.
- Que a alma seja grande ....
10 comentários:
E o transe infinito...
Fizemos uma "rede" de troca de informações, tamanha ansiedade pela postagem do 1º capítulo. A Anne me avisou pelo messenger, mas não vou poder ler agora... :(
Como sempre... totalmente envolvente!!!
Ôpa! Além do primeiro capítulo, temos também a volta da Ti! ...e madrugadora também (ou é apenas uma diferença de fusos?)
Concordo contigo, Ti, completamente envolvente!
Flavio, a alma não será pequena:
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor."
* só uma dúvida: "os assuntos preferidos de Badaró"? ...seria Barceló, ou estás a nos confundir?
Udi: corrigido, tks. Não sei porque desde a concepção da idéia original tenho uma tendência a chamar o Barceló de Badaró. Creio que é a influência nelsonrodriguiana.
Meninas: que bom que gostaram do começo. Conto com o talento do Ernesto para por fogo na história...
Cerimonia? Só uma semana? Musa a resgatar? Já estou esperando o segundo capítulo! :-)
Pois é Udi, fim de férias, início da diversão aqui no Arguta....
OBS: O horário está correto, foi apenas a curiosidade que me fez ler antes mesmo do café matinal!!
Beijos
Voy viendo que las intenciones de Barceló si son bien negras....
Hummmm... Mistério.
Inicio a leitura um pouco em atraso e me perco em mogno e luar. Neste misterioso clima londonlatino, este felino senhor sem idade e sem juizo me toma em suas mãos e me transporta nesta viagem sem volta.
To no clima!!!!
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