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quinta-feira, julho 26, 2007

A quem interessar possa ...

Meu nome é João (ou John, ou Jean, ou Yohanan, ou Ioannes, ou Juan)...
Estou só.
Tão só quanto qualquer outro mortal sobre a terra, com amigos, família, trabalho e a turma da sinuca.
Sou refém da existência dos outros. Vítima da individualidade alheia.
Imobilizado pelo paradoxo (estou só porque existem, e se não existissem seguiria só) concluo que a solidão é parte da natureza humana ou um seu constructo.
Poderia ser menos torturante se os outros não me impusessem sua existência.
Seria menos aflitivo se não me exigissem o enquadramento em sua definição de existência.
Mas creio que isso também é parte da natureza humana, embora sequer esteja convencido de que existe uma.
Só, torturado e aflito, mas não infeliz. Apenas hiper-consciente, por um momento. Alias, felicidade é um conceito inaplicável nesse contexto.
A questão é como aprender a viver só num mundo "civilizado" ?
Veja ... ainda que eu faça minha parte, não tenho qualquer poder para exigir que os outros façam a sua.
Logo, qualquer que seja a solução, deverá independer da colaboração do outro.
Mas, por favor, não me entendam mal. Gosto de conviver com pessoas. Não todas. Algumas.
Mas até isso é difícil.
Depende de uma escolha mútua e síncrona. Quase um acidente em termos estatísticos.
Chamo esses acidentes de encontros. Raros momentos em que esqueço a solidão. Ela segue lá, já que é intrínseca, mas a atenção está em outra parte.
Bons momentos, só superados pelos encontros comigo mesmo, raros e sublimes, para os quais é necessário estar só.
Decidi que vale a pena deixar de lado a solidão quando surge a oportunidade de um encontro.
Mas o que fazer com os desencontros, que ocorrem em esmagadora maioria ?
Aqueles contatos indesejados, seja, pela pessoa, pelo momento ou pelo tema ...
Não há como evitá-los. E, mesmo que houvesse, perder-se-ia a oportunidade do encontro acidental.
Melhor sobreviver a eles.
Necessário, pois, armar-se de recursos para.
É o que eu chamaria de verniz civilizatório. Uma fina e quase imperceptível camada que, além de melhorar a aparência, nos protege contra as intempéries.
Meu nome é João.
Só, torturado e aflito.
Aguardando encontros.
Protegido por meu verniz civilizatório.
Por esta noite ...




17 comentários:

Anne M. Moor disse...

Now it's your turn to strike me dumb!!!!!!!! Afffffffffff - não gosto desta onomatopéia, mas é a única que me ocorre neste momento...
"Depende de uma escolha mútua e síncrona. Quase um acidente em termos estatísticos.Chamo esses acidentes de encontros." É isso, e absolutamente inexplicáveis...
Parabéns pelo texto - dito com primor...

Érica Martinez disse...

"Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão" - grande Vinícius...

E acredito que os solitários enlouquecem mais rápido por viverem apenas em seu mundo, com suas próprias idéias, achando que elas são verdades universais...

"Poderia ser menos torturante se os outros não me impusessem sua existência."

Ninguém impõe nada se você não permite que o façam...

Em tempo: até dos desencontros é possível tirar algum aprendizado, diria Sofia Coppola...rs

disse...

As chaves só podem mesmo permanecer em nosso poder, como só a nós compete decifrar o segredo do cofre.
Momento de hiper-consciência=Sínteze de muitas e muitas horas de busca.
Verniz:Quase nunca imperceptível, mesmo nos mais hábeis em aplicá-los em camandas extra-finas.
Tá se especializando menino....
Bjo

doppiafila disse...

Adorei. Universal. Um abraco, Paolo

Ju disse...

Imaginar que muitas outras pessoas se sintam como o João, pode amenizar a tortura. Estão juntos dentro de sua solidão.
E se o outro limita o espaço dele, ele limita o espaço do outro, pois estão adjacentes.

Udi disse...

Bárbaro!
(atire a primeira pedra quem não tiver se identificado com pelo menos 1 dos versos)

Anônimo disse...

Flávio,

Como é importante estar só!!

Incrível sua capacidade de aproveitar tão bem este momento...

Magnífico!!

Beijos

Walmir Lima disse...

SÓ?..Só?..só?..só?..só?..ó?..ó?..
EU?..Eu?..eu?..eu?..eu?..e?..e?..

(...Êta, eco!...)

Walmir Lima disse...

Na solidão do meu quarto, ouço apenas o eco dos meus pensamentos. Mas sei que por mais longo e mais profundo, alguém me espera no fim desse vale...

Walmir Lima disse...

Beleza, Flávio!
Você me faz lembrar Albert Camus:
Intenso!

Udi disse...

Ti, ia fazer uma brincadeira, mas optei por apenas sugerir...

Jorge Lemos disse...

A névoa flutua densa nas dúvidas.
Como diria Bruges; " Minha alma limpava os vidros do bonde´para afogar-se na névoa móvel dos sinais"...
Policromia sustentavel em texto envolto num sudário. Brilhante.
Sou seu fã.

Anônimo disse...

Udi,

Agora você me deixou curiosa!!!

Beijos

Walmir Lima disse...

Magnífico, Flávio! Talvez seu melhor texto.
Já li várias vezes. E a cada vez o considero ainda mais maravilhoso e denso.

Anne M. Moor disse...

This is Flávio...

Flavio Ferrari disse...

Tks, folks.

Bárbara Semerene disse...

Que texto perfeito! Parabéns!