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domingo, dezembro 19, 2010

O homem do cajado grande

Um homem grande, portando um enorme cajado, chegou a um pequeno vilarejo, sendo recebido pessoalmente pelo prefeito da cidade.
- Seja bem vindo, forasteiro.  Já ouvimos falar muito de você e de suas realizações pelo mundo a fora.  É uma honra recebê-lo entre nós.
- Muito obrigado, senhor prefeito.  Será um prazer desfrutar de sua hospitalidade.  E já pensei numa maneira de retribuir.  De passagem pelas ruas da cidade, já deu para perceber que há muito disperdício por aqui e a administração poderia estar melhor organizada.  Creio que posso ajudá-lo a cortar alguns custos e revisar a estrutura de comando da cidade, de modo a torná-la mais eficiente.
- Que bom ... será muito bom aprender com um mestre.  O pessoal aqui leva muito a sério seu trabalho, o ambiente da cidade é ótimo, os resultados são bastante positivos.  Somos a melhor cidade da região, mas certamente ainda temos muito que melhorar.  Como o sernhor já foi prefeito de uma cidade grande, certamente nos dará excelentes sugestões.
Passado algum tempo, o homem grande chamou o prefeito para uma conversa...
- Senhor prefeito, com todo respeito, isso aqui está uma bagunça.  Falta comando, todo mundo faz o que bem entende.  O desperdício é notório em diversas atividades. e parece que ninguém se incomoda com isso.
O prefeito respondeu com um sorriso indulgente ...
- Imagino que tudo aqui seja muito diferente da cidade grande de onde o sernhor veio.  Mas cidades pequenas são assim mesmo.  Dependem do comprometimento de toda a população para crescer e isso só se consegue se cada um tiver seu quinhão de responsabilidade e, obviamente, autoridade para cuidar do que lhe cabe.
- O discurso até que é bonitinho, senhor prefeito, mas de autoridade eu entendo.  Manda quem tem o maior cajado e o resto tem que obedecer, senão vira bagunça.  Como, aliás, já virou ...
- Quem tem um cajado grande pode, de fato, ceder à tentação de tentar obrigar a população a atender aos seus interesses pessoais.  Mas um prefeito não está na posição de fazer valer seus interesses e prevalecer suas opiniões.  Sua tarefa é maior e mais complexa.  Ele precisa entender e atender as necessidades da população, de forma individual e coletiva; precisa motivar as pessoas a colaborar com a coletividade local, estadual e federal, seguindo as leis, pagando impostos e cumprindo com suas responsabilidades, enquanto oferece condições para que realizem seus próprios desejos.  Algumas vezes, precisa obter concessões do Estado para que as pessoas da cidade possam desempenhar melhor seu trabalho.  Se quiser realizar tudo isso com a ameaça do seu cajado, sugiro que arranje um maior.  O seu é grande, vai impressionar muitas pessoas, mas não todas.  E, certamente, não vai motivar ninguém.
- Balela ... falta de motivação se resolve com uma boa cajadada!  Não dá para conviver com esse grau de ineficiência ...
- Pessoas não são essencialmente eficientes em suas atividades.  Aliás, nem as mâquinas tem eficiência absoluta, como o senhor bem deve saber.  Um motor de carro,  por exemplo, desperdiça dois terços da energia gerada pela queima do combustível.
- Já percebi porque é que o senhor foi eleito prefeito ... é muito bom com as palavras.  Mas isso não muda o fato de que é possível melhorar muito a eficiência de praticamente todos os departamentos da prefeitura.  Estou aqui há um par de meses e já pude perceber isso com clareza.  Tem dinheiro aqui escorrendo pelo ralo.
- Meu caro senhor ... melhorar a eficiência de um processo não significa, necessariamente, melhorar a eficiência do todo.  Claro que, quase sempre, ajuda muito.  E é por isso que estimulamos cada um dos responsáveis a se preocupar com isso, buscando melhorar sempre.  Mas, excetuando-se pelos casos em que a eficácia está comprometida, a busca do aumento da eficiência das partes está condicionada a uma visão mais abrangente.  Todos precisam ter como prioridade o plano diretor da cidade, para garantir que nossos objetivos coletivos e individuais sejam atendidos.  Venha ver uma coisa, por favor ...
O prefeito levou o forasteira até seu gabinete.  Lá chegando, abriu um um armário que ocupava toda a parede, atrás de sua mesa, onde havia um enorme cajado branco.
O forasteiro supreendeu-se:
- Mas o senhor tem um cajado maior do que o meu !!!
- Na verdade, não é meu.  Está à disposição de qualquer pessoa que ocupe a cadeira de prefeito.  Mas estou aqui há alguns anos e nunca precisei usá-lo.  Na verdade, é a primeira vez que abro esse armário para mostrar o cajado para alguém.
- E porque não usa ?  Se andasse por aí com seu cajado, as coisas seriam melhores ...
- Entre outras coisas, meu caro, um homem que se apoia num cajado se torna dependente dele e não será capaz de realizar mais nada se um dia o cajado lhe faltar.  Prefiro não me acostumar com ele.  Mas até usaria, se acreditasse que poderia realizar melhor o meu trabalho.  Eu preferi dar um cajado para cada uma das pessoas da cidade, e ensinar como deveriam agir para não precisar usá-lo.  O resultado, como o senhor sabe, é que apesar das ineficiencias que o senhor aponta, nossa cidade vai muito bem.
O homem grande não ficou convencido, mas dado o tamanho do cajado do prefeito, preferiu não discutir mais.  Despediu-se, aborrecido, e deixou a cidade pensando em quantas coisas boas poderia ter feito com seu cajado se não tivesse encontrado um cajado maior pelo caminho.
Conclusões dessa curta história:
1. Um homem grande nem sempre é um grande homem
2. Quem quer realizar alguma coisa pela força do cajado, vai acabar tendo que fazer isso sozinho
3. Por maior que seja o seu cajado, sempre se pode encontrar alguém com um cajado maior
4. Só quem tem medo do cajado acha que os outros também terão

10 comentários:

Ju disse...

Gostei do seu texto! bem diferente do que costumava ler aqui, bacana mesmo!
beijos
:)

Flavio Ferrari disse...

Que será que a Ju costumava ler por aqui ?

OutrosEncantos disse...

Ui... Flávio, passei por aqui nas asas dos meus pássaros... daqueles que voam das minhas mãos, correndo...
Logo eu passo para te ler este teu texto compridão.
Até logo, depois do trabalho.
Beijos.

Batom e poesias disse...

Flávio
Parábola digna de um profeta!
Adorei a moral número 3...kkk

bjcas

Tathiana disse...

Muito bom. Muito mesmo. Algumas pessoas q conheço deveriam ler isso! rs.
BJs.

Luna Sanchez disse...

Demonstrar medo do cajado por seu tamanho, pode ser um jogo interessante nos primeiros 3 minutos. Depois é preciso interagir para não ficar monótono, né?

Beijo, beijo.

ℓυηα

A.Tapadinhas disse...

É um conto de Natal?! Então o cajado acaba na fogueira!

Boas Festas, meu amigo!

Abraço,
António

Pelos caminhos da vida. disse...

Hum... algumas pessoas que conheço deveriam ler esse texto...

Amigos de Fé!

Nosso caminho está planejado para passos juntos seguir.
Somos perfeitos de compreensão, e nossa virtude de fidelidade está guardada por nossa fé.
Estamos num mesmo segredo, em que nossa amizade não deixa em vão nossas alegrias.
Acatamos nossos defeitos, e homenageamos nossas qualidades para vencermos.
Somos o porém da coragem.
O por que da invencível força...
Somos as razões para continuar caminhando.
O companheirismo sagrado, que lá de cima recebe a benção de Deus...
Somos amigos fiéis, juntos a tristeza é desenganada, e os sorrisos são os presentes da vida.
Somos assim, a perfeita magia da amizade, que suporta vendavais e furacões.
E mesmo com tempestades continua seu trajeto de fidelidade.
Somos a benção dos Anjos.Que estão a guardar o segredo da nossa felicidade.
Somos a luz da mais linda estrela, que transborda de sinceridade.
Somos o que todos no mundo sonham em ser.
Somos, AMIGOS FIÉIS!!!

(Fabiana Thais Oliveira).

Um Feliz Natal para vc amigo e que em 2011 possamos estar juntas novamente Pelos Caminhos da Vida.

Um gdeeeeee abraço.

beijooo.

Anne M. Moor disse...

Flávio, brilliant!! Todo sistema tem como característica a perda da energia. O 'segredo' é organizar atividades que permitam a auto(re)organização.

Como sempre, teus textos são excelentes. Tem um indo pro ar em março com uma animação como pré-leitura. Vou ver se consigo o arquivo pra te mandar.

bjos
Anne

OutrosEncantos disse...

... e na verdade basta-me usar os números, os teus quatro, porque são no seu conjunto a moral da história, muito embora o ponto 4, seja a maior das verdades, só quem tem medo....!

Gostei de ler, gostei muito, é um texto reflexivo, contado em tom de brincadeira mas de enorme conteúdo.

Voltarei outro dia para passear-me pelos textos mais antigos... ;))
prometo... rss

Beijo.

Feliz Natal