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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Crônicas da Vida Empresarial - Personagem 4: Jailton

Jailton é um sujeito incomum.
A primeira vista, cínico, debochado e superficial, dono de uma sinceridade acachapante e pouco convidativa.
Entretanto, vale a pena conhecer um pouco de sua história.
Jailton abandonou a faculdade de Ciências Sociais no segundo ano. Já havia lido todos os livros recomendados até o final de curso e a bibliografia mencionada em cada um deles.
Seu raciocínio verbal e sua impressionante capacidade para assimilar informações relevantes (a seu melhor juízo) faziam dele, já naquela época, um argumentador imbatível.
A motivação para o debate só era superada pela impaciência com o que julgava ser um surto de ignorância coletiva que transpassava o universo acadêmico de ponta a ponta.
Afastou-se dos colegas (uns imbecis), indispôs-se com professores (imbecis diplomados) e concluiu que o mundo acadêmico era um emburrecedor desperdício de tempo.
Partiu para uma vida de decepções. Nada estava a altura de seus ideais nietzschianos.
Namoradas, chefes, companheiros, clientes, sócios em empreitadas quase megalomaníacas, todos terminavam por comprovar sua teoria básica sobre os seres humanos em geral:
- Ninguém tem coragem de pensar por conta própria. A humanidade dita culta questiona o supérfluo e recolhe-se na segurança da reafirmação dos valores pequeno-burgueses. – dizia ele à mesa do boteco, arrematando com o bordão: “Navegar é preciso. Por isso bebo em quantidades navegáveis ! “
Não saberia dizer quando ou porque, mas acercando-se dos 40 anos, um solitário de muitas relações, sentiu-se mudar.
Não foi propriamente uma desistência. Foi mais uma aceitação (ele era como era, e o mundo como sempre fora) e um intento de conciliação.
- Eu e o mundo vamos tentar viver juntos – dizia para os mais próximos, no princípio.
“Relacionamentos baseiam-se em interesses e necessidades. São processos de troca continuada de favores. Recebo do mundo alguns prazeres e pago com minha sinceridade.”
Decidiu, então, que seria essa a forma de contribuir para o mundo: jamais pactuar com a hipocrisia. Jailton fala o que pensa, e devolve ao mundo o que vê, principalmente quando todos ao seu redor preferem fazer de conta que não estão vendo.
- Reflito o mundo, para que o mundo possa refletir ...
Aprendeu, também, a se comunicar utilizando o repertório médio da humanidade. Interiorizou um conversor automático.
Já não sugeria a adoção de medidas profiláticas para evitar contrariedades no ambiente de trabalho. Optava por recomendar algo como “vamos cuidar para não dar merda !”.
Era uma forma de “pertencer”, fazer parte do grupo.
Como também era sua iniciativa de participar dos happy hour no Degas.
A sensação de torturante desperdício de tempo causada pelas longas conversas vazias foi gradativamente substituída por um legítimo interesse pela dinâmica das pessoas e seus relacionamentos. Jailton, finalmente, estava aprendendo a viver nesse mundo.
E foi então que pode descobrir a Estela, sua musa, misteriosa e inatingível.
Jailton percebeu que por trás da aparência superficial, infantil e coquete de Estela, havia uma mulher inspiradora e interessante a ser descoberta.- Preste atenção nos olhos, Rodolfo, não nos peitos ... – comentou certa vez. Aqueles peitos fazem parte de uma estratégia disruptiva. E aquele ar de gata no cio também. Ela sabe que a gente só consegue usar uma cabeça de cada vez ...

4 comentários:

Anônimo disse...

Como imaginei, o Jaílton é interessantíssimo! ...só que eu acho que se engana a resPeito da Estela.

Anônimo disse...

A vida é repleta de surpresas... E as pessoas podem ser interessantíssimas, o difícil é sairmos do nosso modelo do que é certo e do que é errado.

Sigo curiosa...

Amanda Magalhães Rodrigues Arthur disse...

Aqui, na cidade com a maior concentração de doutores por m2 do Brasil, há uma concentração desconcertante de Jailtons. Os Rodolfos chegam aos poucos para equilibrar os ânimos.

Anônimo disse...

Ai Jailton, Jailton... Nada é nem certo nem errado sempre... Olhar-se no espelho e enxergar o que realmente está aí é uma arte do convívio, do viver, pois a gente se constrói a partir do outro - não existe o eu sem o tu... Afinal, quem sou eu?