Dia de eleição é um dia atípico, a começar pelo trânsito.
Tudo funciona como num mega domingo com trânsito escolar.
Aos tradicionais motoristas domingueiros soman-se os motoristas eleitorais, aqueles que só saem de carro a cada dois anos para votar. E como se vota em praticamente todas as escolas, o resultado é uma grande confusão.
Voto numa pequena escola pública nas Perdizes e costumo dar sorte para estacionar o carro. Uso uma estratégia desenvolvida em todos esses anos de experiência: fico de olho num carro antigo e bem cuidado com gente dentro. Grande chace de se tratar de um motorista eleitoral, a espera de um momento de redução no fluxo de veículo para sair da vaga em segurança. Reduzo a velocidade e faço um sinal indicando que ele pode sair ... e bingo ... uma bela vaga na porta da escola. Funciona quase sempre.
A sala para votação tem sido a mesma nos últimos anos, mas as supresas variam.
Algumas vezes é tudo muito rápido e sem graça, principalmente quando voto no final do dia.
Hoje votei pela manhã, que é quando a fauna costuma ser mais interessante.
Uma pequena fila com 4 pessoas a minha frente e uma senhora votando. Um senhor muito falante me recebeu perguntando:
- O Sr. também está na fila para escrever a história da sua vida ?
Eu imaginei que se tratava do início de um discurso cívico sobre a importância do voto, mas o cara estava se referindo à senhora que se encontrava ha mais de 15 minutos digitando na urna eletrônica sem conseguir finalizar sua votação. Ele prosseguiu:
- Ela já deve ter terminado a infancia e a adolescência ... deve estar descrevendo como foi o parto do primeiro filho ....
Não dei muita trela ... apesar de ser impaciente, não gosto de participar desse tipo de chacota a respeito das dificuldades de pessoas idosas.
Ele falava enquanto enxugava um pequeno sangramento labial com seu lenço. Creio que tivesse chegado um pouco antes, teria acompanhado a explicação para esse fato, mas perdi a chance.
Entre eu e o boca rota, duas senhoras se apoiavam mutuamente para não cair. Tive que me conter para não segurar as duas pelas golas dos vestidos, mas achei que com a costela fraturada o resultado poderia não ser bom.
Finalmente escutamos o ruído caraterístico do final da votação. Fiquei pensando se as urnas tem um "time out" decretando o final do tempo disponível.
Atrás de mim uma pequena confusão ... um guarda ajudava a descer um senhor na cadeira de rodas escada a baixo. A escola não dispunha de rampa e aparentemente não foi permitido deixar o cidadão votar numa sala do andar térreo.
O jovem que estava na frente do eloquente votou em 15 segundos e a mesária recolheu os documentos das senhoras à minha frente enquanto o resmungão foi sangrando até a mesa.
A senhora que estava em pior estado explicou à mesária que só estava alí para ajudar a outra que havia sido operada e não pode descer a escada com seu andador. Precisava acompanhá-la até a urna.
Não sei se isso é permitido, mas o caso é que a mesária deve ter chegado à mesma conclusão que eu ... Nenhuma das duas conseguiria sobreviver sozinha. A eleitora não chegaria até a urna e a amiga precisaria ser escorada por alguém.
As duas entram e o policial chega com o senhor na cadeira de rodas, acompanhado de uma mulher que concluí ser sua filha. Obviamente tem a preferencia e vão direto à porta da sala, estreita e com um pequeno degrau, desafiando a dupla policial-filha. Após tentarem algumas manobras, decidem levantar e jogar o senhor e sua cadeira para dentro da sala, quase atropelando a mesária.
O senhor da cadeira seguia sorridente, com singular satisfação, o que parecia ter alguma relação com a raiva contida da filha.
O eloquente terminou de votar, conversou com absolutamente todos os presentes e saiu.
As senhoras se apoiavam mutuamente diante da urna enquanto a mesária e eu torcíamos para que não derrubassem tudo.
O cadeirante dava voltinhas com sua cadeira dentro da sala esperando sua vez.
A mesária pegou meus documentos.
Por um segundo imaginei o que aconteceria se as senhoras caissem sobre a urna, a urna tombasse sobre o senhor na cadeira, o guarda entrasse apitando na sala, a votação fosse suspensa, a sala lacrada e eu ficasse sem meus documentos ... mas fui interrompido pelo ruido da urna ... as senhoras terminaram sua votação e cambaleavam em direção à porta enquanto o senhor da cadeira dirigia-se lépido à posição de votação. Algo me dizia que ele iria votar no Tiririca ... pena que o voto seja secreto.
Ele votou ràpido, a filha entrou e literalmente o empurrou porta a fora. Não deu para ver como fizeram para subir as escadas, porque era minha vez de votar.
Os mesários estavam assustando o jovem que votaria depois de mim dizendo que iriam colocar uma marca ao lado do seu nome para que fosse escolhido para trabalhar na próxima eleição.
Ele se defendia dizendo que não podia, porque cuidava de sua avó doente.
A mesária respondeu que isso era ótimo, porque precisavam de gente com experiência.
Votei rápido e saí com uma leve sensação de culpa. Embora as opções não fossem as melhores, estava ajudando a eleger alguém ... cúmplice, portanto.
domingo, outubro 03, 2010
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13 comentários:
Vixe, que situação!
Na seção onde voto, esse ano estava uma verdadeira zona.
Melhoras...
Beijos!
Em qualquer lugar há inspiração para se escrever quando o radar do escritor está ligado.
Te acompanhar em dia de votação parece ser divertidamente excitante!
O rapaz com experiência no cuidado com idosos foi a melhor parte...rs
Beijo, beijo.
ℓυηα
kkkkkkkkkkk
"gente com experiência"... esse é um convite ridículo. já caí nessa malha fina e "vc é convidado a exercer sua cidadania". engraçado, pelo que me consta, convite pode ser recusado, nénão?
rsrs
bjs meus
Flávio!
Então fraturaste mesmo a costela!! Te cuida. E não querendo rogar praga, isso demora pra dor ir embora!! Qdo eu fraturei a minha em fevereiro, ninguém havia me contado o tamanho da dor... :-(
Este teu relato me fez sorrir! :-)
Bjos
Anne
putz, não tinha entendido o quão sério tinha sido seu tombo, querido!
agora, como é inevitável fazer uma piadinha, até porque você é você - rs - por acaso a sua sessão era a de sobreviventes de guerra? Porque... pqp! Quanta gente detonada nessa fila aí! rsrs...
(ai, horror!)
Bjo e melhoras!
Onde voto é sempre tao calminho.
Bjs
Insana
Retratos do nosso Brasil...
Melhoras e repouso, heim mocinho....rs
Beijos!
Que meninas fofinhas ... tks pelo carinho.
Estou bem e medicado. Segundo o ortopedista, 20 dias de dor, outros 20 de desconforto e, depois, vida anormal, como sempre.
Onde votei, na hora em que eu saía, entrava uma moça andando NA BOA pela rua e pela área de votação, com uma máscara de cavalo na cabeça!... Me parece que ninguém fotografou... Não vi nos jornais... Eu, e as crianças que ali acompanhavam seus pais, adoramos a ousadia! BJS!
putz, nem me fale da fila... ontem aconteceu tudo, só tudo!!!
Não votei!
Oi Flávio,
Adorei a crônica e ri .Depois senti culpa pela falta de piedade.e reli e ri de novo.
Beijos,
Cris
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